A terra alimenta as gentes e muitos outros seres viventes.
Os demais seres viventes também alimentam as gentes.
A terra também alimenta muitas máquinas criadas pelas gentes.
Algumas dessas máquinas transportam as gentes pela terra.
Se você tem uma dessas máquinas, ainda não conhece o bioma do Cerrado brasileiro e gostaria de conhecê-lo antes que você ou ele não mais estejam viventes, pode alimentá-la e se deslocar até o Planalto Central do Brasil.
Lá você vai ver o resto de Cerrado vivente. Também vai ver muita comida de gente. E se você demorar um pouco, poderá, quem sabe, ver muita
comida de máquina.
Tiago Franz
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Conforme me apresento neste blog, sou um humilde estudante de jornalismo que teve o privilégio de ingressar num curso superior. O vínculo informal que mantenho com um grupo de pesquisa da universidade me possibilitou participar de parte de um evento do tipo “ecochique”, o Ambientalis 2009, sem precisar pagar os exorbitantes R$ 100,00 condizentes à inscrição para estudantes. O evento foi realizado em Chapecó, no Oeste Catarinense, onde resido e estudo.
Foi assim que assisti à palestra Tendências do uso da Terra pelas Atividades Agropecuárias e Suas Interrelações com a Questão Ambiental, ministrada pelo ex-coordenador de Agricultura e Meio Ambiente do WWF-Brasil, Luis Fernando Laranja, que gentilmente concedeu uma entrevista para meus colegas pesquisadores e para o NeoIluminismo.
Antes de começar a palestra, Laranja explicou que deixou a coordenação de Agricultura e Meio Ambiente do WWF-Brasil há duas semanas para se dedicar a outras atividades. Mesmo assim, devido ao agendamento antecipado, representou a organização no Ambientalis 2009. Laranja disse que ainda mantém vínculos de trabalho positivos com o WWF-Brasil.
O desafio: que uso dar à terra?
Nas últimas décadas, a média de qualidade de vida da humanidade subiu muitos degraus. Na mesma proporção aumentou a demanda pelo uso da terra. Além do infreável crescimento da população mundial, a expansão do consumo per capita é fator determinante desse problema – um problema econômico, pois trata-se de administrar o conflito entre a escassez de recursos naturais e as necessidades e desejos das pessoas.
A missão do programa de Agricultura e Meio Ambiente do WWF-Brasil é “fomentar o desenvolvimento de uma agricultura que priorize a conservação do meio ambiente, valorize as questões sociais e que seja economicamente viável”. Sustentabilidade – a palavra da moda, que foi tema do Ambientalis 2009 – é a questão-chave no desafio de gerir o uso a terra. Para se chegar a um ponto de equilíbrio, Laranja aponta uma série de medidas com base em pesquisas e estatísticas.
A medida que parece ser a mais urgente, até mesmo pelo caráter irracional do problema, é o combate ao desperdício. Segundo Laranja, apenas 39% do total de alimento bruto produzido vai para a barriga do consumidor. Acostumado a lidar com agricultores de mãos calejadas e fala simples, o palestrante gosta de se expressar com a mesma clareza: “É um absurdo o tanto de comida que vai fora na minha casa!”
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Manifestação: ao final da palestra, um participante exaltado – que segundo conversas paralelas do público é ativista de uma ONG chapecoense – usou o microfone para emitir com decibéis de sobra a sua opinião. Disse, em brados, que se for preciso perder grãos de cereais pela estrada para que outros seres vivos possam usufruir dos frutos da terra, que assim seja. Para ele, o homem é egoísta ao ponto de não considerar que as demais espécies também vivem dos recursos naturais que dominamos. Laranja comentou a fala do manifestante com as seguintes palavras: “realmente, é uma realidade totalmente antropocêntrica”.
Agronegócio X ambientalismo
O WWF mantém diálogo com diversos setores envolvivos na produção de alimentos. O mais forte politicamente, essencialmente neoliberal, é o setor do agronegócio. Laranja respondeu especialmente para o blog que a permanente negociação do WWF-Brasil com o agronegócio só deixou o nível do embate recentemente, quando ambas as partes assumiram uma postura de respeito ao outro. O esforço se concentra na busca de “meio-termos”. Em doses pequenas começam a surgir os primeiros resultados, diz Laranja.
Etanol: onde plantar cana?
Os biocombustíveis são uma importante fonte de energia, mas não são a única alternativa. “É bom que haja variadas matrizes energéticas em uso, e o etanol é uma delas”, defende Laranja. As preocupações do WWF-Brasil com relação ao etanol são:
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a concentração das plantações de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo e proximidades;
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a necessidade de expandir a produção de cana;
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e a ameaça constante ao bioma do Cerrado.
O estado de São Paulo encontra-se numa situação de calamidade ambiental por causa dos canaviais. As plantações engoliram as matas ciliares. A demanda é crescente e não há mais espaço para expandir. A única opção é ir para o interior do país.
Quando há necessidade de mais terras o Cerrado é a maior vítima, já que a sua vegetação é menos densa que a da Mata Atlântica, da Floresta Amazônica e de outros biomas brasileiros. O fortalecimento das leis de preservação das áreas de florestas deixa o Cerrado mais vulnerável à exploração.
Laranja defende que a melhor opção para não frear a expansão da cana é o uso das áreas de pasto, que já não possuem a vegetação original. Para onde vai o gado? Isso Laranja não respondeu, nem eu lembrei de perguntar. Talvez o confinamento seja uma opção… uma opção dentro dos “meio-termos” políticos. Talvez seja melhor consumirmos menos carne… que também é uma causa ativista muito forte.
Luis Fernando Laranja da Fonseca é doutor em Medicina Veterinária pela USP e pós-doutorado pela University of Kentucky. Confira o currículo acadêmico completo.
Tiago Franz – NeoIluminismo
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